31.10.03

Manuais Escolares

Há algum tempo referi aqui no blog que haveria de falar sobre manuais escolares. Decidi antes deixar-vos um texto que, na minha opinião, diz tudo sobre os manuais de Língua Portuguesa do 1º ano de escolaridade.
É longo, mas se tiverem paciência, leiam.

(...)
Viagem ao passado
Durante a leitura, senti-me transportado até ao ano de 1958, puto de sete anos a cumprir obsoletos rituais do século XIX. Eis-me sentado, lado a lado com outros miúdos, em velhas carteiras com buracos para tinteiro e penas, num coro de melopeias sem sentido, repetindo até à exaustão, cada qual voltado para o seu livro único: "a de águia, e de égua, i de igreja, o de ovos, u de uvas..."
Os manuais best selers (todos iguais, ainda que uns mais iguais que outros...) servem, despudoradamente e à semelhança dos seus antepassados, o mesmo método de iniciação à leitura e escrita (o chamado "analítico-sintético"), num convite à reprodução de anacronismos.
A hegemonia de um método contribui para a ocultação das alternativas, pois, do global de contos aos métodos silábicos, do global de palavras aos métodos mistos, dos fonomímicos aos fonossintéticos, existe uma panóplia de metodologias que, há muitas décadas, os professores deveriam ser capazes de utilizar. Se não há duas crianças iguais, não haverá duas crianças que aprendam a ler do mesmo modo e será indispensável que os professores estejam capacitados para proceder a diferentes abordagens na iniciação à leitura e escrita.
Numa breve análise aos manuais aprovados (!) para o 1º ano, extraí algumas frases de elevado gabarito intelectual, que as nossas (infelizes) criancinhas hão-de repetir até à exaustão, e que passo a citar.

As mesmas frases em doze manuais
"A tia tapa o pote" é a frase campeã das citações, quase a par com a célebre "a vaca dá leite". E regressamos ao país rural de Salazar, quando "o Vilela leva a vaca à vila", "o avô vai à vila a pé", ou ficamos a saber que "o Vilela veio da vila a cavalo".
Através dos manuais ficamos também a conhecer o que preenche o quotidiano dos alunos das nossas escolas: "É dia de aula e a Adélia pula" (Durante a educação físico-motora? Durante o recreio? O texto é omisso, termina em suspense, não nos informa). Mais claro é o texto seguinte: "Na aula, a Sónia acabou tudo: a soma, a cópia e o ditado. Tocou a sineta. A Sónia saiu da aula", o que reflecte uma clara assunção de novas pedagogias.
A confirmar a presença de sobredotados nas escolas oficiais, "o Paulo lê a pauta" enquanto "a avó toca violino", "o avô toca viola" e "a tia toca corneta". Porque nos preocupamos com a educação musical, se em cada família há um Mozart em potência?


"Textos claros e rigorosos"
Os manuais dão notícia de prodigiosas acrobacias : "a bola pula e o Lito papa a lula", "o Paulo pula da mota", "a Lili papa a lua", "o Óscar viu os ovos e abriu os olhos", "eu pulo e leio" (presumo que em simultâneo e que sublime exemplo de interdisciplinaridade!).
Os manuais traduzem, como vimos, preocupações com o são desenvolvimento cognitivo dos seus jovens leitores, mas não descuram o desenvolvimento atitudinal. Vejamos alguns exemplos de transmissão de modelos, neste caso, de respeito e amor ao próximo: talvez porque "o miau é mau" e "o mémé é tão mau", "o Catita deu uma patada ao cão", "o Pepe bateu com o pé no pé do pipi", e "a Belita bateu à tia". Perante tais manifestações de pacifismo militante, é estranho que os alunos andem à traulitada nos recreios.
Os manuais sugerem técnicas avançadas, que deverão ser estudadas pelos bombeiros e aplicadas já na próxima época estival: "caiu uma gota de água na mata e apagou o lume".
E, num esforço de protecção da língua materna relativamente às influências das telenovelas brasileiras e cowboyadas americanas, dizem-nos, no mais puro português, que "o xerife comeu muito xuxu, tau, tau, tau, toca o teu berimbau", que "a Pepa papou", "papa tu do Dadá", "o Jugu não viu o zebú.". Por sua vez, os personagens que atravessam estas surrealistas narrativas foram baptizados com nomes usuais em qualquer conservatória do registo civil do nosso país: "Ucha, Tutu, Zuzu, Dídio, Lalá, Nídia, Ulema, Dálio, Dedé, Xodó", etc. Já agora, alguém sabe o que é uma "mupa"? Eu não sei, o programa de auto-correcção do computador também não, mas as criancinhas de seis anos deverão saber.


"Textos adaptados ao nível etário do aluno"
Os manuais contêm diálogos caracterizados por uma forte intensidade dramática:
- "Mimi, dá-me o tomate.
- Toma, Rui, o tomate é teu.
- Eia, é a teia. (No manual, esta frase acaba em ponto final mas, perante tanta alegria, eu arriscaria o ponto de exclamação. Já o mesmo não faria na frase "Eia, pai, é a pipa", porque, apesar de vivermos num dos países de maior consumo de álcool, recuso pensar que a criancinha vá acabar contraindo uma cirrose ou em tratamento nos alcoólicos anónimos)
- Ai o tapete.
- Mãe, a sopa azedou.
- Dou-te azevia cozida e batata.
- Ó filha olha a agulha. Olha o baralho do palhaço."
Perante estas pérolas de literatura, o Freinet deve revolver-se no túmulo e o Saramago há-de ficar roído pela inveja.

"Evolução na continuidade"
Agora, falando a sério... juro que são estas frases a roçar a imbecilidade que milhares de crianças vão ser forçadas a decorar, no próximo ano lectivo, ao mesmo tempo que preenchem muitas carreirinhas de "is de igreja", ou de "pês de pote". Juro que não inventei qualquer das frases e que muitas outras do género ficaram por citar.
As editoras falam "de livros que têm de estar adaptados à realidade do próximo século". Manuais "para o século XXI" com as mesmíssimas frases de há cinquenta ou cem anos?
E, como se não chegassem os disparates debitados nos manuais, as editoras brindam-nos ainda com livros de fichas e... "sebentinhas"?! Que fique o ensino superior a saber que já não tem o exclusivo, que as (pobres) das criancinhas de cinco e seis anos já dispõem de "sebentinhas" no mercado livreiro. Sugiro que a penitência mínima para tão grave pecado consista em mil recitações da "Balada da Neve", que os mais velhos aprenderam nos manuais únicos do Estado Novo.
Esta evolução na continuidade reflecte uma inércia transgeracional inquietante. Não haverá outros modos (mais inteligentes) de aprender a ler e a escrever?
Os meus colegas e amigos pedem-me que modere as palavras dos textos que vou escrevendo. Como poderei ser comedido, se todos vemos, ouvimos e lemos?

José Pacheco
Escola da Ponte / Vila das Aves


E para quem aqui conseguiu chegar... talvez percebam porque não utilizo o manual de Língua Portuguesa para ensinar a ler...


Depois...

...de um dia esgotante, não há nada melhor que ficar em casa sabendo que amanhã posso dormir até mais tarde.

...

Adoro trovoadas!

30.10.03

...

Na rua da minha escola há um café diferente. Só este ano o descobri e agora já faz parte da minha rotina diária.
No seu interior há música mas, mais importante que tudo, há livros, jornais e revistas para os clientes lerem quando quiserem.
Hoje, antes da reunião que me prendeu na escola até às 20:30 h, fui até lá e bebi um chocolate quente com sabor a caramelo enquanto passava os olhos pelo DN.
A chuva já caía lá fora com alguma intensidade e apeteceu-me ficar alí mais um bocado a apreciar mais um fim de tarde de Outono. Mas os compromissos falam sempre mais alto...

Descobri...

...hoje que o meu blog é colorido de amarelo.
A inha tem de me explicar porquê...
;o)

Recado

ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte

vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer - vai por esse campo
de crateras extintas - vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite

deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo - deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração - ouve-me

que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna - o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite

não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira - não esqueças o ouro
o marfim - os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço

Al Berto
in Horto de Incêndio

29.10.03

...

Nem sempre me apetecia falar-te. Nessas ocasiões procurava-te com o olhar mas reparava que o teu era um desvio que não tinha ponto de chegada.
E perdi-me de ti.

Hoje

...senti-me mais feliz.
Vou começar o meu voluntariado no IPO daqui a duas semanas.

28.10.03

Em memória...

Sem memória esvai-se o presente que simultaneamente já é passado morto. Perde-se a vida interior (...) porque sem referências ao passado, morrem os afectos e os laços sentimentais.

José Cardoso Pires
in De Profundis, Valsa Lenta,1997.

27.10.03

...

Um imprevisto fez-me ficar sem internet em casa.
Agora, há que soltar as palavras no papel...

Não serei tão regular no meu blog, mas continuarei a espreitar os cantinhos habituais.

...

Apesar de ser segunda-feira, apesar de estar a chover e de serem 8:48 h da manhã, estou bem-disposta. E como não é muito vulgar, apeteceu-me deixar isto escrito.

Já tenho os alunos à espera....
Até logo.

26.10.03

...

Voltei.
Encontrei dois dias de muita chuva e frio mas também consegui descansar junto de pessoas que não via há algum tempo.

Amanhã conto mais.


24.10.03

De viagem

Este fim-de-semana vou espreguiçar-me com o frio da serra.
Fiquem bem.

23.10.03

A música das palavras

HISTÓRIA DO SR. MAR

Deixa contar...
Era uma vez
O senhor Mar
Com uma onda...
Com muita onda...

E depois?
E depois...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
E depois...

A menina adormeceu
Nos braços da sua Mãe...

Matilde Rosa Araújo, in O Livro da Tila,1957.

22.10.03

...



Hoje, a minha bisavó Luísa comemora um século de vida.

21.10.03

Um susto

Saio na estação do Rossio. Desço as escadinhas e que levam à Baixa e entro num café onde bebo um chocolate quente delicioso.
Subo a Rua do Carmo.
" Já estava com saudades desta Lisboa".
Mais acima, entro nos Armazéns do Chiado e dou uma volta pouco demorada pela FNAC - hoje estava com demasiadas pessoas e senti-me apertada. Resolvo então ir à Bertrand... Entro. Um empregado de t-shirt preta olha para mim com um ar bastante mal-humorado; devia estar aborrecido com alguma coisa mas os clientes não têm culpa...
Adiante.

Na secção de Pedagogia procuro o livro e encontro-o - O Itinerário de Celestin Freinet: a Expressão Livre na pedagogia Freinet- e fico a folheá-lo durante uns momentos.
A fila na caixa já era longa e ainda precisava de ir à Rua da Prata... preparo-me para pagar e...
"Onde está a minha carteira?"
Roubaram-ma.
Mas como é possível? A mala estava fechada..."

....


Saio da livraria e fico uns momentos parada sem saber muito bem o que fazer. "Fiquei sem nada; dinheiro, documentos de identificação e os cartões dos bancos..."
Fez-se luz! Corro para o Banco e até me deixaram entrar fora do horário de expediente. Anulo os cartões e saio um pouco mais aliviada...
"E agora? Tenho de ir à esquadra mais próxima!"
Aí espero mais de meia-hora até ser atendida. Registam a minha queixa por escrito e dizem-me para esperar uns quinze dias até ir fazer os novos documentos, pois entretanto pode aparecer a carteira.
"Uau... até lá fico com a sensação da inexistência da minha pessoa no papel."
Fico sem vontade de estar em Lisboa e volto para casa.

O telefone pisca e no voice-mail tenho uma mensagem de alguém que, por acaso, encontrou a carteira debaixo de um carro, na Rua do Ouro. O dinheiro desapareceu mas os documentos estão todos. Telefono de volta e agradeço.

Felizmente, ainda há pessoas que se preocupam e que têm generosidade suficiente para deixar os outros mais tranquilos, sem pedir nada em troca.

20.10.03

...

Custa-me muito ver certas pessoas desvalorizar outras não por aquilo que fazem bem, mas sim por aquilo que ainda não conseguem fazer, seja por falta de tempo ou simplesmente, porque não são perfeitas.
E é nesses momentos que vejo a falta de tolerância a crescer e a capacidade de aceitar a desaparecer. E fico triste.

A ouvir...

...uma das minhas músicas favoritas...

Remember when you were young
you shine like the sun
shine on you crazy diamond
now there's a look in your eyes
like black holes in the sky
shine on you crazy diamond
you were caught on the cross fire of childhood an stardom
blown on the steel breeze
come on you target for faraway laughter
come on you stranger
you legend
you martyr
and shine !

You reached for the secret to soon
you cried for the moon
shine on you crazy diamond
threatened by shadow and might
and exposed in the light
shine on you crazy diamond
well you wore out your welcome with random precision
rode on the steel breeze
come on you raver
you seer of vision
come on you painter
you piper
you prisoner
and shine!

PINK FLOYD, Wish you were here, 1975

...



2003

19.10.03

...

No Aviz:

"Ouço, na Antena 2, um programa com educadoras especializadas em «imaginação» e «criatividade». Uma delas, convicta, diz que se as pessoas fossem bem ensinadas ou preparadas, um «bom livro» bateria sempre o Game Boy, uma «boa conversa» bateria sempre a televisão, um «bom disco» bateria sempre os Pokémon. A nossa capacidade para rir é sempre posta à prova."

Não achei grande piada ao comentário do autor, mas também não considero que os livros, as conversas ou os discos fiquem sempre à frente dos Game Boys, da televisão e dos Pokémons.

Se houvesse um equilíbrio estaríamos todos satisfeitos, mas infelizmente, não há. E não me venham dizer que a culpa é das crianças...


18.10.03

...

Voltou o tempo de estar em casa. Voltaram as leituras em tardes sombrias, o leite com chocolate a fumegar, a manta em cima do sofá para os dias mais arrepiados e a música de fundo a acompanhar a chuva que cai lá fora.
Voltaram os meus dias preferidos.

17.10.03

Dia #24

Hoje, o R. fez anos. Oito. É o menino mais velho da turma. É um menino cabo-verdiano, fala mal o Português, a sua língua materna é o crioulo, tem um comportamento instável e uma família que apesar de todas as dificuldades de quem vive num bairro degradado, ainda consegue apoia-lo minimamente na escola.
Hoje, mais uma vez, o R. portou-se mal. Ralhei. Ele amuou e não quis trabalhar. Baixou a cabeça e pousou-a em cima do caderno enquanto todos os outros meninos trabalhavam. Optei por não lhe dizer mais nada e passado algum tempo começou a fazer a actividade que tinha proposto.
No fim do dia, quando a campainha estava quase a tocar, cantámos-lhe os parabéns e dei-lhe um beijo, ao qual ele sorriu. Mas o mais curioso, foi ver todos os outros colegas a levantarem-se do lugar e a darem-lhe os parabéns com um beijo ou um abraço.
"És um irmão para mim", disse-lhe o E.
"Gosto muito de ti", disse-lhe a M.
Ele ficou feliz, notava-se nos seus olhos e no sorriso que estava colado à sua expressão. Não sei se alguma vez ele teve tantas manifestações de afecto, não sei o que ele pensou, não sei. Mas sei que me comovi e só me apeteceu abraçar a turma inteira por aquele gesto e sobretudo, por não porem de parte um menino que até hoje, viveu à margem de todos os seus colegas na escola.

Desejo

Estou cansada e não me apetecia ficar sozinha. Queria-te ao meu lado, queria a tua mão, o teu aconchego e queria adormecer assim.

16.10.03

...

Na altura era uma garota de 7/8 anos. Depois da escola passava o tempo a ver os desenhos animados do Vasco Granja, a fazer filas intermináveis com peças de dominó ou então, ia para casa dos meus tios onde ficava horas seguidas a jogar às damas.
Mas em certas tardes, quando a RTP2 transmitia os campeonatos do Mundo de Patinagem Artística, ninguém me tirava da frente do televisor. Gostava principalmente de ver a graciosidade dos pares a deslizar no gelo e queria fazer o mesmo...
A casa ainda tinha alcatifa e nada melhor do que algum papel atado aos pés para escorregar no chão e imitar, na medida do possí­vel, todos aqueles esquemas que via na televisão. O meu pai trazia umas revistas que lhe davam no emprego e como eu não ligava a banda desenhada, usava-me dessas folhas para fazer de patins...
E foi assim que estraguei muitas revistas do Tintim...

Há arrependimentos que doem toda a vida.

...

Voltei ao trabalho.
E é tão bom fazer o que se gosta... : )

15.10.03

E agora...


...deito-me ao som de Mazzy Star.
Boa noite.

Pai



Distrito de Tete - 2ª intervenção
Maio 1971

Hoje, mais uma vez, acordaste com os olhos inchados. Sei que sonhaste com a guerra e não foi preciso fazer-te nenhuma pergunta para perceber a tristeza que ainda sentes.
Disseste-me que a sorte só nos bate à porta uma vez na vida e eu acreditei. Contaste-me que nesse teu dia de sorte ficaste sem saber o que fazer, porque no teu lugar morreu um companheiro que gentilmente disse para seguires no jipe da frente. O teu passou pela mina, o dele não; rebentou com ela.

Olho para ti e orgulho-me da força que tens e da capacidade de deixares essas memórias fechadas à chave durante o dia. E embora não as consigas afastar durante a noite, sei que afastaste a guerra da tua vida mas continuas a dizer-me que Moçambique está no teu coração e que um dia hás-de lá voltar. E eu hei-de ir contigo.

Um post para lembrar a leucemia...

...mas também todas as outras formas de cancro.

Vejam isto. Façam o download do vídeo e pensem.

14.10.03

Um...

...dos melhores textos que já li sobre as praxes e toda essa panóplia de idiotices, está aqui.
Não deixem de o ler.

...

Fui ao médico. Obrigou-me a prometer que ficava em casa e passou-me um atestado de quatro dias.
Detesto estar assim e gosto ainda menos de faltar à escola...
Estar doente é como descansar sem uma cama.

13.10.03

Escrever

Hoje não. Talvez amanhã.

12.10.03

Memórias

Acho que tenho poucas memórias da minha infância. Tenho a sensação que ficaram afogadas ou presas ao fundo do meu subconsciente. Mas de vez em quando, e sem qualquer razão aparente, algumas voltam à minha superfície em flashes de luz e nesses pequenos segundos consigo ser novamente criança.

No outro dia lembrei-me da minha primeira caneta de tinta azul. Sei que andava no primeiro ano, tinha chegado a hora de escrever com caneta e pedi uma ao meus pais, no entanto, quem ma deu foi o meu tio. Era uma caneta verde e branca e sei que escrevi com ela até a tinta acabar.

Mas a memória que me é mais querida é a dos gelados. Lembro-me dos Epás e da bola de pastilha elástica que eu ansiava em mastigar no fim. Lembro-me do sabor daquele gelado branco e de guardar os cones de plástico e as colheres planas para brincar em casa. E lembro-me também dos outros gelados, aqueles que eu ia comprar no quiosque laranja do jardim, ao fundo da minha rua. Pedia sempre um cone com morango e baunilha e era uma delícia.

Agora, esse quiosque já desapareceu. De vez em quando ainda vejo a senhora que me atendia e cumprimenta-me sempre com um sorriso.
Quanto aos gelados Epá, esses, já não têm o mesmo sabor. Comi um este Verão e fiquei desiludida...
Restam-me as minhas memórias.

As duas caixas

Metáfora: o corpo carrega sempre duas caixas. Numa mão, uma caixa de ferramentas. Na outra mão, uma caixa de brinquedos. Essas duas caixas definem os objectivos da educação.

Caixa de ferramentas: nela se encontram os objectos necessários para compreender e inventar. Úteis, indispensáveis à sobrevivência. Na caixa de ferramentas encontram-se guardadas desde coisas concretas, como fogo, redes, facas, machados, hortas, bicicletas, computadores, até coisas abstractas, como palavras, operações matemáticas, teorias científicas.

Caixa de brinquedos: nela encontram-se objectos inúteis que, sendo inúteis, são usados pelo prazer e pela alegria que produzem: música, literatura, pintura, dança, brinquedos, jardins, instrumentos musicais, poemas, livros, culinária...

(...)

Terefa do educador: ajudar os discípulos a construir as suas caixas de ferramentas e de brinquedos.
Pergunto se as escolas fazem isso. Talvez seja necessário ver, pensar e inventar uma escola diferente...

Rubem Alves
in Estórias maravilhosas de quem gosta de ensinar, Edições Asa, 2002.

11.10.03

O avesso do mundo

Se começarmos a ver as coisas do avesso, talvez possamos descobrir que, nem sempre o que parece é.

10.10.03

...

"São as palavras mais tranquilas que trazem a tempestade. Pensamentos que caminham como pés de pomba - são eles que guiam o mundo."

Nietzsche

...



The three ages of a Woman, Gustav Klimt, 1905


Gosto de pintores que pintam mulheres.




Jeanne Hébuterne, Amedeo Mondigliani, 1919

A ouvir...

Ohh, can't anybody see
We've got a war to fight
Never found our way
Regardless of what they say

How can it feel, this wrong
From this moment
How can it feel, this wrong

Storm in the morning light
I feel
No more can I say
Frozen to myself

I got nobody on my side
And surely that ain't right
And surely that ain't right

Ohh, can't anybody see
We've got a war to fight
Never found our way
Regardless of what they say

How can it feel, this wrong
From this moment
How can it feel, this wrong

How can it feel, this wrong
This moment
How can it feel, this wrong

Ohh, can't anybody see
We've got a war to fight
Never found our way
Regardless of what they say

How can it feel, this wrong
From this moment
How can it feel, this wrong

Portishead, Dummy, 1994

8.10.03

Um passado



2002
.
.
.
Uma casa. Uma família. Os pais e três filhos. O filho mais velho. O meu pai. A minha mãe. Eu. E o que resta...
.
.
.

...

As surpresas são declarações de amizade ou de amor, embrulhadas em sorrisos e afectos.

E eu pergunto-me...
Como pode alguém não gostar de surpresas?

...

Gostava de me fazer pensar menos.

7.10.03

Até tenho vergonha de dizer que...

... ontem, às 0:10 h, chegaram ao meu blog através de uma busca com as seguintes palavras:
FOTOGRAFIA NUA DE UMA ALUNA

Os pedófilos não desistem.

Presente



6.10.03

Viagem de Inverno



Linha do Douro, Dezembro 2002

5.10.03

Esta noite...

...na televisão, alguém dizia...
Como posso ser eu, se eu sou tu e eu?

Não houve resposta. Mas fiquei a pensar no que tinha acabado de ouvir...

...

O tempo escorre-te das mãos e não sobra para nós. E eu, já estou farta dos minutos corridos em segundos.

Passado



...

Passou mais um dia. Um dia que deveria ser de descanso, de divertimento ou mesmo um dia para acabar o que deixei pendente nos outros dias da semana. Não aconteceu nada disto. Foi um dia vazio. E fico irritadíssima quando isto me acontece...

3.10.03

...



Sintra, 2002

Não quero perder a fé, mas não falta muito.

2.10.03

Pequenos prazeres

Chá e scones n'O Chá do Carmo, Largo do Carmo.
O pôr-do-sol no Castelo de S. Jorge.
Uma fatia de Cheesecake no bar O'Gillians, Cais do Sodré.
Observar Lisboa da janela do eléctrico 28.
Um fim de tarde em frente ao Mar da Palha, no Parque das Nações.
Ler uma história para os meus alunos.
Um jantar sem horas.
O pequeno-almoço de sábado com jornais à mistura.
O frio húmido da Serra do Gerês.
Uma viagem de comboio ao longo do Rio Douro.
Adormecer com a chuva.
O chocolate quente do Café Astória em Braga.
Acordar na aldeia e ficar na cama com o silêncio.
Pisar as folhas secas de Outono.
Conversar com os meus avós à lareira.
Ouvir o crepitar das chamas e sentir a cara quase a ferver.
Ler

...e tudo o que seja música para os meus sentidos...

1.10.03

...

O desespero gosta de se aproximar nos dias escuros lavados de lágrimas, gosta de tomar conta dos pensamentos, de os levar para longe e de nos lembrar que, apesar de toda a força humana, nenhuma pessoa está imune de si própria.

Esta noite...

...deixo o meu silêncio correr com o tempo e ficarei assim, até ter palavras para prender nas folhas da minha memória.