Uma coisa em forma de adeus que respirava*
Têm-me contado histórias, sim, sempre boas, sempre boas, por um momento. Seja como for, cá estou eu outra vez na merda. Samuel Beckett,
Malone está a morrer
Não é preciso dizer-te o nome. Para que servem, afinal, os nomes. Basta assegurar-te de que atravessava o rio fosse a que horas fosse só para despender um farrapo de tempo comigo. Nunca era muito, é certo. Repartia-se entre séculos e milénios. Na minha óptica, claro. Qual óptica qual carapuça. As dioptrias falhavam-me mal as desviava desse alguém de que me custa proferir o nome. Mas, afinal, para que servem os nomes. Sentava-me ao pé dela e fazia de conta que observava as coisas à minha volta, conquanto não enxergasse um palmo à frente dos olhos. Um palmo adiante dela. Ia a dizer que só tinha olhos para ela, mas era meio caminho andado para vilipendiar o bom gosto.
Lembro-me de vê-la partir às tantas da noite, após despender um farrapo de tempo comigo. Nunca muito, é certo. Meses e decénios. Jamais me achei merecedor da sua companhia, vá-se lá saber porquê. Dá para acreditar nisto. E ela vinha. Vinha e ia. Ia e vinha. Até que, certo dia, me anunciou, com todas as letras, todos os nomes, mas, afinal, para que servem as letras, para que servem os nomes, que aquela era a última vez que tinha vindo. Não viria mais, vá-se lá saber porquê. Dá para acreditar nisto. E já lá vão meses, decénios, séculos e milénios que a não vejo chegar, chegar e partir, como os comboios em hora de ponta, ensardinhados de gente anónima. Sem nome.
*TÃtulo retirado de um verso de Charles Bukowsky
Miguel Marques